O Natal é o momento em que Deus decide atravessar o abismo entre o Céu e a terra e se sentar à mesa da nossa humanidade. Não é um aniversário que se recorda, mas a chegada silenciosa daquele que escolheu viver entre nós, o Mistério da Encarnação. O eterno entra no tempo, o infinito se faz pequeno, e a grandeza divina se deixa envolver na fragilidade da carne. A fé cristã nasce desse espanto: Deus não fala de longe, Ele se aproxima; não observa, participa; não abençoa do alto, mas desde dentro da nossa história.

E tudo começa com uma mulher comum, numa aldeia sem importância. Maria não é coroada nem preparada para grandezas, apenas escuta, acolhe e responde, e o seu “faça-se” abre um caminho que ninguém imaginava. No corpo dela, Deus encontra casa; no coração dela, encontra confiança. E quando chega a hora, não há portas abertas nem lugar de honra, mas sim há uma manjedoura, um estábulo, um chão áspero. Nesse cenário improvável, Deus respira pela primeira vez como um de nós.
Os primeiros a perceber o milagre são os que menos contam: pastores cansados, trabalhadores da noite, gente acostumada a viver à margem. A luz que brilha sobre eles anuncia que o Reino começa pelo lado de fora das cidades, longe das grandes vozes e dos nomes importantes. O Natal se revela a quem tem pouco, porque somente quem nada possui consegue reconhecer o essencial. E é isso que a manjedoura nos ensina: Deus prefere os lugares descartados, os rostos esquecidos, os silêncios que ninguém escuta, os cantos feridos da alma, as dores escondidas, os medos que ninguém vê.
A humildade de Deus, porém, contrasta com aquilo que o mundo tenta nos vender como “espírito natalino”. Enquanto Belém oferece silêncio e pobreza, nossos dias se enchem de pressa, vitrines e excesso, brilhando luzes mas o coração escurece. Carregamos sacolas, mas desprezamos presenças, confundimos festa com consumo, brilho com sentido, enfeite com fé, e sem perceber transformamos o Natal em mercadoria, quando ele é, na verdade, um chamado: voltar ao que é simples e reencontrar o que realmente sustenta a vida.

Há, no entanto, um sofrimento que o Natal insiste em iluminar: o sofrimento que escondemos. Famílias em ruptura, idosos solitários, pessoas sem abrigo, crianças sem alegria, dores que ninguém ouve, e ali, o Deus de Belém nasce. Ele não foge das feridas humanas; entra nelas com ternura, pois um Natal que ignora o sofrimento dos pequenos não compreendeu a Encarnação. O Jesus que foi menino, pobre, veio para recordar que cada vida importa e que nenhuma dor está fora do alcance de Deus.
Mas existe também um outro risco: celebrar o Natal apenas por fora. É possível montar presépios perfeitos e manter o coração fechado; é possível cantar cantos de alegria e continuar vazio; é possível admirar o Jesus e nunca segui-lo. O Natal pede decisão, não decoração ; a manjedoura é convite, não ornamento; Cristo não vem para ser observado, mas para transformar a vida daqueles que o acolhem.
Esse Mistério não ficou no passado. O Deus que veio continua vindo, dia após dia, na suavidade da graça, e virá plenamente no final dos tempo, Maranata. A manjedoura aponta para uma história inteira: conduz à cruz, e da cruz à ressurreição, e quem encontra o Menino desperta para a missão, porque a luz recebida não foi dada para ser guardada. Como os pastores que “partiram às pressas”, também nós somos enviados a iluminar com gestos aquilo que vimos com os olhos da fé. E há ainda um desdobramento maior: o Deus que tomou carne nas entranhas de Maria se oferece hoje na Eucaristia. O primeiro sacrário foi o corpo da Mãe; o sacrário de hoje é o altar da Igreja, e ali o mesmo Deus, a mesma proximidade, a mesma entrega silenciosa.
O Natal, assim, não é apenas uma data; é um modo de viver. É permitir que Deus desfaça nossas distâncias, cure nossas sombras, reordene nossos afetos. É escolher o essencial, reconciliar o que está quebrado, aproximar-se do irmão que sofre, renunciar ao excesso que pesa e deixar que a luz humilde de Belém acenda, dentro de nós, uma humanidade mais verdadeira.
Que este Natal nos encontre atentos ao Mistério que passa; sensíveis ao que realmente importa; disponíveis para deixar Deus agir onde menos esperamos. Que a coragem de Maria inspire nosso “sim”, que a simplicidade dos pastores oriente nossos passos, e que o Deus feito próximo transforme, silenciosamente,
tudo o que tocamos.
Paz e Bem
Juarez Arnaldo Fernandes (JF)
Especialista em Cristologia pelo Centro Universitário Claretiano e Membro do
Conselho Fiscal da Rádio Alvorada