Bergoglio – Francisco de Roma, o homem que não vendeu a alma

Bergoglio – Francisco de Roma, o homem que não vendeu a alma


Alguns passam pela história como sombras apressadas; outros, como clarões que iluminam o caminho, e Jorge Mario Bergoglio pertenceu à rara linhagem daqueles que, em silêncio e com firmeza, mudam o mundo — não pela força do poder, mas pela fidelidade corajosa ao que é verdadeiro.

Filho da Buenos Aires dos trabalhadores, aprendeu desde cedo que a vida não se mede por títulos ou aparências, mas pela capacidade de repartir o pão, de oferecer o perdão, de caminhar ao lado dos pequenos. Desde a juventude, trazia no peito uma certeza que nunca abandonou: a verdade do Evangelho não se negocia.

Quando o conclave o chamou naquela tarde de março, ele não buscou a glória, nem se iludiu com o peso do trono, mas tinha consciência que aceitar era mais cruz do que triunfo, e rendeu-se não aos aplausos, mas ao chamado de Cristo e da Igreja.

Com o coração exposto e os ombros prontos para carregar o mundo, sentou-se na cadeira de Pedro, não como senhor, mas como servo, escolhendo ali partilhar o trono com misericórdia e amor, abraçando o espírito de quem se dobra para lavar os pés dos irmãos.

Ao assumir o nome Francisco, revelou ao mundo o sopro que movia sua alma: a inspiração do pobrezinho de Assis, que ouvira o chamado para reconstruir a Igreja com a força do Evangelho vivo, fazendo Bergoglio seu pontificado um eco fiel desse legado, e como Francisco de Assis, enxergou beleza onde outros viam miséria, escutou o clamor dos invisíveis, beijou as feridas abertas da humanidade.

Fez-se peregrino de paz, jardineiro da esperança, tecelão de fraternidade. Muitos o julgaram e o rejeitaram — desconcertados por seus gestos, por suas palavras, por suas escolhas que abriam portas e sacudiam comodismos antigos. Não rejeitaram apenas sua pessoa, mas também os frutos vivos de seu magistério — seus documentos, suas exortações, suas encíclicas — que, como sementes do Evangelho, chamavam a Igreja a renascer em fidelidade, misericórdia e missão.

Desde o início do seu sacerdócio, Bergoglio escolheu o caminho estreito do Evangelho: simples no viver, firme no crer, inteiro no amar, e caminhou entre luzes e sombras, suportou abraços e rejeições, mas nunca desviou o olhar de Cristo, nem largou a mão dos pobres.

Com coragem silenciosa e fidelidade que não fazia alarde, atravessou o tempo sem se vender às promessas fáceis do poder, preferindo resgatar a beleza esquecida da Palavra, despertar corações adormecidos, lavar os pés cansados da Igreja e carregar no peito as dores de um mundo ferido. Sua vida, feita mais de gestos do que de palavras, grita sem voz uma certeza que o tempo não apaga: o amor vivido até o fim que vence o medo, derruba o poder, e atravessa até a morte para florescer em vida eterna.

Mas Francisco sabia: o Evangelho havia sido esquecido em estantes empoeiradas e sacristias frias, sendo um dos seus maiores desafios retirar a Palavra da teoria adormecida e fazê-la carne na vida real: uma Igreja em saída, pobre com os pobres, livre para amar, na ação e oração.

Bergoglio, o novo Francisco, não vendeu a alma, nem trocou a compaixão pelas garantias do poder; resistiu às pressões, recusou as honrarias fáceis e permaneceu fiel à simplicidade que salva, à misericórdia que cura, à esperança que não se apaga. Num tempo marcado pela vaidade e pelo cinismo, manteve os olhos fixos em Cristo e os pés firmes no chão dos pequenos, entregando sua alma inteiramente a Deus, e por isso, mesmo entre críticas e incompreensões, Francisco caminhou livre: para amar, para servir, para ser sinal vivo do Reino que não passa.

E quem poderá esquecer aquela tarde silenciosa de março de 2020, quando a pandemia lançou o mundo ao medo e ao vazio? Foi Francisco quem atravessou sozinho a Praça de São Pedro, sob a chuva fria, diante do Cristo crucificado, ali, em passos lentos e carregados de dor, levou nos próprios passos o sofrimento da humanidade inteira, elevando preces por aqueles que choravam nos hospitais e nas casas vazias. Naquela imagem solitária e grandiosa, o mundo reconheceu: havia ainda um pastor; pulsava ainda uma esperança; erguia-se ainda alguém em nome de todos.

Hoje, muitos vestem o luto, mas nós católicos que cremos na força da ressurreição, celebramos a Páscoa eterna de Bergoglio – o nosso papa Francisco, porque a nossa fé nos ensina: em Cristo, a morte não é o fim, mas a porta para a vida que não se acaba.

Agora, unido a Francisco de Assis, o Francisco de Roma intercede por nós diante do Cordeiro Vivo, levando em suas mãos os clamores dos pobres, os sonhos de paz da Igreja e a esperança de um mundo novo, e assim, Francisco, o homem que não vendeu a alma, permanece vivo — não por mérito próprio, mas porque foi envolvido para sempre pela vitória de Cristo, que é a nossa ressurreição e a nossa vida.

Paz e Bem

Juarez Arnaldo Fernandes (JF)

Pós-Graduando em Cristologia pelo Centro Universitário Claretiano e Membro do Conselho Fiscal Radio Alvorada